Entrevista com a diretora de “Um Samurai em São Paulo”

No final do mês de março, estreou o documentário “Um Samurai em São Paulo” e que mesmo com os poucos dias que ficou em cartaz, já acumulou críticas muito boas de veículos como a revista Veja, por exemplo. E com isso tivemos a honra de conversar com a diretora Debora Mamber Czeresnia em pessoa e ver suas ideias para a criação desse filme tão contemplativo.

1- Como foi o estudo mais profundo da cultura japonesa?

“Olha Isabela, eu assisti muitos filmes de samurais para poder entender um pouco desse universo. Já que, desde o início, eu tinha dito para mim que o título do meu filme era “Um Samurai em São Paulo.”

E eu queria entender um pouco mais sobre o que era um samurai. Fui pesquisar mais a fundo, ler vários textos e, inclusive, teses. Que falam não só sobre quem eram os samurais, mas o que eles viraram na cultura moderna. 

Pode nos contar mais sobre os samurais?

Porque, eu não sei se você e as pessoas que têm o seu site sabem, mas os samurais faziam parte de uma classe de militares que defendiam os senhores feudais na Idade Média no Japão.

 E a partir de um certo momento, de um determinado momento histórico, os samurais deixaram de existir. Eles foram proibidos de usar armas, de usar suas espadas e perderam os privilégios que tinham. Então, assim, muitos dos japoneses hoje são descendentes de samurais. 

Mas, é para você dizer que os samurais existem hoje, você precisa entender um conceito de samurai como um símbolo. Porque o que acontece é que o Japão, depois que passou pela Segunda Guerra e perdeu. Os japoneses são um povo extremamente orgulhoso e eles precisavam de algo para levantar sua moral. Então, eles foram resgatar na história deles o código dos samurais, que era o bushido. 

Para eles, o samurai deixou de ser essa figura histórica e virou esse símbolo de um homem honrado, de um homem que tem uma força não só física, mas espiritual, de um homem que se empenha mais do que os outros, que é fiel aos seus companheiros, aos seus senhores, ou enfim. 

A palavra samurai começou a ganhar uma série de outras conotações. Por isso, eu tive que pesquisar bastante, ver bastante filmes, teses e livros para entender um pouco sobre essa cultura do samurai.”

2- Como o filme pode afetar as mulheres?

“Diretamente não só pela direção em si que você tá assumindo né, como mulher e como diretora mulher no Brasil, mas em relação ao preconceito em relação à prática das artes marciais como esporte. Enfim, em relação a todas essas práticas, eu acho que já foi assim uma certa ousadia né, uma mulher fazer um filme sobre karatê, é algo que deixa as pessoas um pouco confusas, não é?  

E mesmo eu, durante todo o processo de fatura do filme, eu tive que atravessar uma barreira, porque sendo mulher na academia onde eu praticava, que é uma academia principalmente frequentada por homens, mas não apenas, tinha uma distância muito grande entre nós, mulheres, e os homens. 

Então, eu tive que ter muita paciência, muito jeitinho para ir me aproximando mais desse assunto e podendo fazer perguntas. Eu acho que as artes marciais não têm nada que impeça mulheres de praticá-las. Eu acho que as mulheres precisam conquistar esse espaço, não é um espaço dado, é um espaço que precisa ser o tempo todo conquistado e a gente precisa brigar por ele. 

No que isso pode ajudá-las?

Mas, existem muitas mulheres que praticam artes marciais e acho que nada impede que a continuem, mesmo, porque eu acho que a prática nos traz muitos benefícios, não só no sentido de a gente se sentir mais forte, mais protegida, mas de a gente saber se defender, porque afinal, vivemos no mundo em que muitas vezes somos ameaçadas fisicamente. 

 Então, ter esse arsenal de golpes, para eventualmente usar (não que a gente queira usar), a verdade é que a gente treina para que a gente nunca tenha que usar, justamente por conta disso, de fazer artes marciais, é, eu acho que traz uma segurança interna. 

Acho que tem uma questão de você é engraçado porque muitas pessoas que praticam artes marciais sabem disso, às vezes quanto mais prática você tem em artes marciais, menos agressivo você fica, mas você sabe se colocar de uma forma que você não tem que entrar numa briga.”

3- Quem/ o que te inspirou a realizar o projeto? Sua avó? Seu Sensei?

“O projeto partiu a partir de uma curiosidade muito grande que eu tinha em relação ao meu sensei. Eu praticava karatê e já fazia alguns anos. Como nessa academia especificamente o Sensei Okuda, era uma pessoa muito reservada e falava muito pouco, eu sabia que tinha uma história importante dele no Brasil, no karatê, mas não era muito falado.

Eu ficava muito curiosa para querer saber mais sobre essa história, então foi, na verdade, a minha fascinação, minha paixão pelo karatê e minha curiosidade sobre essa figura aqui para mim era muito enigmática, que eu sabia que tinha algo ali, uma história para ser contada. 

Como se aproximou de seu Sensei para perguntar?

Eu resolvi perguntar e aí perguntei se ele topava fazer um filme, ser um personagem de um documentário. Aí, a história foi se transformando ao longo do tempo, porque eu levei 10 anos para fazer o filme. Então, ao longo de todo esse período, essa história dele foi ganhando outros significados para mim, outros contornos e eu passei a fazer relações da vida dele com a minha vida, com a minha história. 

Ele foi um sobrevivente da Segunda Guerra. Ele veio para o Brasil como imigrante depois da Segunda Guerra e eu também tenho uma história parecida nesse sentido, porque meus avós também foram sobreviventes da Segunda Guerra, vieram para o Brasil depois. Então, eu fui passando, eu fui costurando essas histórias.”

4- A pandemia dificultou seu trabalho?

“Sim, a pandemia afetou todas as imagens que já estavam gravadas. Todas as imagens que eu gravei com o sensei foram feitas antes da pandemia, mas o filme tem bastante imagem de arquivo. 

Durante a pandemia, os bancos de imagens ficaram fechados durante muito tempo e eu fiquei sem acesso a eles. Foi bastante complicado realizar a pesquisa das imagens de arquivo durante a pandemia. Além disso, mais do que a pandemia em si, a política do governo Bolsonaro me afetou bastante.

Isso porque o governo anterior paralisou as verbas da Agência Nacional de Cinema por mais de dois anos, e isso aconteceu bem durante a pandemia. Eu fiquei aguardando a liberação desse dinheiro para poder finalizar o filme, e isso me atrasou mais de dois anos.

Foi difícil usar os materiais que encontrou?

Não, esse foi meu primeiro filme. Foi a primeira vez que trabalhei com imagens de arquivo e entendi como se trabalha com elas. O que acontece é que as imagens são preservadas por bancos de imagem, tanto no Brasil quanto no exterior. Para fazer a pesquisa, você tem que acessar os sites desses bancos e pedir a pesquisa.

 Na pandemia, muitos desses bancos ficaram fechados. Mesmo que houvesse uma parte da pesquisa que fosse eletrônica, às vezes não era possível obter as imagens e fazer as cópias que a gente precisava.

Eu acho que a maior dificuldade de trabalhar com imagem de arquivo é porque elas são caríssimas. Cada segundo de imagem de arquivo é muito caro, então você precisa realmente ter um orçamento considerável para poder ter essas imagens numa qualidade necessária para exibi-las no cinema. 

Essa foi a maior dificuldade, mesmo as imagens que são de bancos de imagem brasileiros são caras. As imagens do exterior são ainda mais caras, porque você paga em dólar ou euro. Então, tive essa dificuldade quando comecei a fazer o filme e decidi usar imagens de arquivo. 

O dólar estava valorizado, mas depois perdeu muito valor. O que eu tinha planejado para gastar com isso acabou sendo muito mais do que eu imaginava.

Esperamos que ele seja acolhido por alguma plataforma de streaming, para que a história do Sensei Okuda seja vista por um público muito maior.

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